sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Alucinação

Eu, mantinha-me naquele banco forrado de uma aura amarelada que quase já me tinha envolvido também. Fitei-te por cima dos meus óculos de massa preta, vinhas de vestido solto, embora sobressaisem os teus seios espetados e as tuas ancas bem delineadas, vinhas com o teu ar seguro e com palavras que pareciam ensaiadas dirigias-te com desdêm aos tarados que se masturbavam de olhar aregalado enquanto passavas por eles.
Voltei a olhar para o papel cor de carne que fustigava em cada traço que desprendia sobre ele, deixando-o a sangrar através de gestos inseguros.
Quando voltei a olhar já estavas a sentar-te junto de mim. Falavas comigo à já algum tempo muito provavelmente, embora eu não te tivesse escutado. Voltei-me na tua direcçãopara te escutar mas todas as palavras que ressoavam da tua boca não eram por mim entendidas, não percebia se estavas a falar numa outra lingua que eu não conhecia, havia sido apanhado de surpresa e não sabia como reagir, deixei de ouvir, ver e sentir, simplesmente gelei.
O toque da tua mão no meu rosto foi a chama que me descongelou, levantáste-te e deste-me a tua mão para que te acompanha-se, então partimos avenida a baixo, e eu sempre a sentir que não chegaria ao fim desta, eram tantos os tiros que me cravavam nas costas aqueles porcos, todos eles te queriam, embora nenhum te quisesse cuidar, só te queriam foder a rata.
Agora já mais calmo comecei a descodificar aquilo que dizias, estavas a dizer o quanto moravas perto de onde estavamos, sentia-me ainda indeciso mas acabei por ceder e acompanhar-te a casa.
Senti-me triste ao perceber que ao fim de cinco minutos de conversa no sofá já te estavas a despir, pronta para foder. Bem, embora eu também o quisesse não era esse o pretexto que me levava a permanecer ali onde estava, eu por e simplesmente queria conversar, queria ouvir e falar, queria acariciar-te, cuidar de ti como a uma coisa preciosa que não queremos que se estrague, mas essa coisa caira ao chão e partira-se mesmo á minha frente e eu sem poder fazer nada para o evitar.
Levantei-me do sofá e despedi-me, desci as escadas um pouco a cambalear ainda abananado com a desilusão. Era realmente agonizante perceber que por detrás da tua fachada de donzela existia na realidade uma puta, eras apenas mais uma puta de gosto requintado.
Amanhã estarei lá novamente, para te ver a passar e para ver aqueles porcos famintos, inspirar-me-ão mais uma vez para continuar a escarificar na minha pele a tristeza dos dias, e na carne o desenho descuidado daquilo que me rodeia.






2004

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