segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Passa um dia em vão
passa um e outro de seguida,
escorrem as horas em torrente
a uma velocidade constantemente acelerada.

Encostado à parede, inerte
um homem espera calmamente
tenta parar o tempo com os seus pensamentos,
quando todos em volta parecem correr desesperados
com medo de algo perderem.

Correm as pessoas, tal como as nuvens
os pássaros e as folhas caídas no chão.
Tudo isto lhe parece absurdo
um verdadeiro desperdício de energia
uma afronta à sua estranha calma.

Somente o bloco de cimento onde se encosta
lhe parece igualmente imóvel e silencioso.
Por entre a azáfama em redor
ouve o seu coração a bater lentamente
num movimento hipnotizante.

Bate cada vez mais lentamente
à velocidade com que o seu olhar
varre todo o espaço em redor.
Fixa um ponto no edifício diante de si
onde nada se mexe e nada se espelha.

Somente a sua cor vai esmorecendo
num acto lento e discreto,
cada vez mais escuro até ficar negro.
Nesse momento o homem apercebe-se
numa fracção de segundos
o seu coração parou de bater, caiu.




09-12-2011
Agora caças furtivamente
num jogo de paciência e solidão desgastante.
Esperas as presas com movimentos desajeitados,
malditos animais estes
de olhar cortante e sedento.

Quem te caça são eles, hábeis e matreiros
enquanto tu brincas ao faz-de-conta,
esquece-te do que aprendeste
neste jogo de pouco te servem esses ensinamentos.

Com as tuas armas vulneráveis
e as tuas vestes camufladas
e todos os apetrechos que julgas indispensáveis,
neste real matadouro
nem a um dia sobrevives.

Procura antes caça miúda
daquela que possas carregar nos teus ombros
com a força das tuas próprias pernas.
Aceita a tua condição de falso caçador
e move-te na ligeireza da tua própria pequenez.



09-12-2011
Deixa cair essa armadura pesada
sob a qual te proteges e escondes
e que marca com ferrugem
a tua pele macia e limpa.
Despe-te de artifícios e arrogância
verga-te sem medo
sempre que tenhas que o fazer.

Não afastes de ti
o que até ti não chega por não deixares.
No medo de te dares
perdes-te a ti mesmo
perdes também quem te quer e deseja.

Que a tua beleza se note
e o teu carinho revista as tuas palavras.
Que os teus gestos se tornem leves
e te apazigúem o coração
destruído por algo ou alguém.




23-10-2011
Vieste lentamente com a brisa seca
deixando um rasto de poeira perfumada,
no palato um suave sabor da tua pele
lambida nos despojos por ti largados
provei-te intensamente e degostei-te
guardando parte de ti num recanto bem guardado.

De tanto gostar, quis-te de mais
Esgotei-te no medo de te perder
e na sofreguidão só eu te saboreei.
Lambo agora a minha pele sem sabor
onde um dia o nosso sal cristalizou.

Lambi outros tantos corpos insípidos
que de pêlo me encheram o estômago
e de um vazio amargo que se entranha,
nenhum sabe como o teu
de onde tão pouco tirei e tanto desejei.

Ainda te procuro calmamente
Pois a loucura assentou com a poeira,
o desejo e o perfume pairam ainda no ar
suspensos na vontade de te voltar a ter
e de sentir essa brisa soprar novamente.




Outubro 2011
O homem caminha na rua alheado
embrulhado no seu jeito nervoso e tenso
dobra-se a cada esquina na sua indecisão
deixando um rasto a cada passo da sua passagem,
marca o chão com o peso da sua revolta.

Caminha na rua devagar
como se nela não caminhasse
vestido com a sua tristeza como um fato de gala
adornado com a sua falta de paixão,
vê-se reflectido nos olhares indiscretos
e nos sorrisos falsos de ocasião que pouco lhe importam.

Sobe no seu próprio elevador
até aos telhados suspensos,
ali permanece sentado durante horas
e sobre as quentes telhas laranja observa
tudo dali lhe parece melhor.

Pensa em voar dali livremente
desaparecer, mandar-se para o chão
e na queda encontrar a sua condição
sabe que cai mais depressa do que anda.

Saboreia a amargura dos seus lábios
fruto do desejo de ser um outro que não ele mesmo,
alimenta-se dos pensamentos absurdos
e chora copiosamente até se engasgar
com a consciência da sua impossibilidade.

Sentado petrificou sem nada sentir á superfície
queima os dedos com o cigarro
que acendeu e deixou arder sozinho,
desperta desse estado lentamente já de noite
volta a andar sobre as suas lajes pesadas perdendo-se
a cada passo desapareceu no seu próprio esquecimento.



26-09-2011
Um ligeiro recuo no tempo escorrido
e o derrapar de costas vertiginoso
no abandono de uma dor extenuante.

O autocarro pára
e eu saio onde tu entras,
atraído pelo chamamento fascinante.
Recostas-te embalado no banco do fundo
reconfortado pela ideia de luxuria.

Tantos broches por fazer
e tantos cus por comer
são muitas as paragens a percorrer
e tanto entusiasmo embriagante por satisfazer.

Patina sem saíres do mesmo sitio
no percurso que escolheste
deste sinuoso caminho até casa.

Quando em tudo isso te banhares
e de toda a merda te fartares
estarei aqui para te lavar e perfumar.

Anda rente ao chão com cuidado
enquanto caminhas descalço,
as pedras da calçada são bicudas,
lâminas afiadas em cada face
que nem línguas à espera dos teus pé para lamber.

No fim desta viagem
aguardo-te, encolhido e nauseado.
Envolto numa falsa caridade
e numa vontade altruísta de te cuidar,
de me recompor e compensar.


21-09-2011
Transitava tranquilo pela rua
metido consigo mesmo, fechado.
Tropeçou no acaso do seu próprio reflexo
onde em segundo plano, desfocado
avistou um pássaro que o fascinou.

Comprou-o sem hesitar
pois por ele se apaixonara imediatamente
nunca antes tinha tido pássaro tão belo.

Colocou-o numa bela gaiola de grades douradas
e por ali o deixou.
Olhava-o de soslaio e pensava,
não percebia o encanto que o bicho lhe provocava
mas este todos os dias pela manhã
estridentemente lhe cantava e saudava.

O canto era sempre o mesmo, intenso
e rapidamente se habituou a ouvi-lo.
Todas as manhãs se tornaram iguais
e aos poucos foi deixando de o ouvir.

Havia dias que não o ouvia
mas nem olhava para a sua gaiola
achando sempre que ele lá estava, calado.
Nunca tendo reparado no seu erro
percebeu que o seu belo pássaro fugira,
a gaiola nunca chegara a estar trancada.




15-09-2011
Entranhaste-te em mim
como o musgo que cresce no canto deste quarto.
Viciaste-me em ti
de todas as vezes que me deste a beber-te.

Fecho as janelas
para atenuar a corrente de ar fria,
arrepia-se-me a pele, hoje faz frio aqui
e tu não estás cá para me aquecer.

Encho os ouvidos com os lençóis
para não ouvir o martelar do vazio,
o tecido é pequeno demais,
Nesta cama, agora estranhamente gigante
sou grão de areia trazido no fundo do bolso,
resquício de ontem.

Ainda ouço as ondas do mar
onde à noite nos desbaptizámos,
e na memória que guardo das tuas palavras
guardo a força da rebentação inesperada.

A maré subiu depressa demais
molhámos as calças sobre o luar
encadeante luz nocturna, turva tudo.

Já baixou esta água bruta,
reparaste que quatro vezes por dia a maré pára?
Dura pouco, mas guarda esse momento na tua memória
como se fosse a tua ultima hora de vida
repara o quanto é efémero e silencioso
e que cresce como este musgo, de dentro para fora.


13-09-2011
Existo enquanto natureza estéril
engajado na própria gaveta,
madeira polida e seca
com cheiro de alfazema e mofo,
retenho o cheiro de pó de tempos passados

Beijo como quem beija as pedras da calçada
de lábios gretados pela gravilha,
as gretas são sulcos profundos.
Os dissabores tatuaram-me os lábios por dentro
com tinta preta, como o alcatrão onde me ajoelho.

Na porta da frente sou tapete
que nem cama onde me deito
Faço amor como quem lambe paredes
engasgo-me com o musgo e o betume.

Sinto que nem toalha seca sobre a poça
onde me afogo em pensamentos.
Ser poli-fórmico fascinante de metal precioso
de faces lapidadas pela vivência.



10-09-211
Deita o teu corpo pesado sobre a areia fria dessa praia
e deixa que os teus pés vão escavando um buraco
de um tamanho que só tu sabes,
despeja nele todo o teu pesar e dor.
Tapa-o bem devagar
o sal não te irá queimar a pele,
demora o tempo que o teu luto precisa para te sarar.
A ferida não desaparecerá
mas remata-a com a mais bela sutura que consigas,
aquela vinda das memórias reconditas
que guardas com um sorriso terno.
Tece-as do amor eterno que tens por ele
E que guardas num lugar especial.
Deixa que essas marcas perdurem em ti,
descansa, elas saram sozinhas com o tempo vivido.



30-08-2011

A teu pai

Aqui deste lado tenho-te presente
no desejo latente de te reconfortar.
Adormeço nesta desconfortante posição
com a cabeça assente na impotência.

Escrevo-te do meu lado mais pesado,
onde o coração mirrou, quase não bate,
o seu eco sofoca-me, entope-me até á garganta.
O ar parece não caber nos pulmões.

Estou desconcertado,
reflito sobre a condição humana, o efémero.
Penso em ti...



28-08-2011

A ti

Espero que me visites em sonhos
e nos bolsos tragas os ventos secos de este.
Enche-me a boca de areia e terra
trazidas de longe, das tuas viagens remotas.

Quando espreitares na minha janela, bate!
Acorda-me dos sonhos embriagados de Verão,
podes entrar e deitar-te ao meu lado
para que te afague o cabelo e a barba
te beije e abrace lentamente.

As pragas já se foram e os corvos também
com as mãos lavrei a terra,
continua vazia..

Visito-te em sonhos
observo-te enquanto dormes.
Não te bato à janela,
pouco trago nos bolsos para te dar
e o que trago desfaz-se pelo caminho.



Agosto 2011

Em Lisboa

Quer mas têm medo de o dizer.
Engole a náusea com gin
e ensopa-a em cauda de açúcar e frutos silvestres,
fica bem!

Age trôpego com os sapatos no pé errado
queima o calo na brasa
e com as cinzas tapa os buracos na carne.

Age desesperado/ Age falhado
age bonito nos dias enublados.
Come o pequeno almoço em seco
autómato lisboeta lesionado.

04-12-2010
Já não escreve poemas de amor
nem grava compilações de belas melodias.
Já não fala das coisas com a mesma intensidade de outrora,
suspira por engano e respira fundo várias vezes
só para sentir que tem pulmões.
Observa com os olhos toldados
pelas lágrimas que secaram sobre a retina,
o entusiasmo frequente manifesta-se agora
um espasmo momentâneo e involuntário.

Se já nasceu velho, como diz
agora é.o de verdade
não só a pele secou, todo ele secou
morreu por dentro, em silêncio.



Novembro 2010